Governo evita criar novas reservas

OESP, Vida, p. A18 - 15/05/2009
Governo evita criar novas reservas
Cinco dos 9 processos para novas unidades de conservação estão parados pelo interesse econômico na região

Cristina Amorim

Pelo menos nove processos de criação ou ampliação de unidades de conservação - de uso sustentável e de proteção integral - estão parados na Casa Civil, alguns há mais de um ano. A demora deve-se, em cinco desses casos, ao interesse manifestado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em explorar economicamente as regiões.
Questionado pela reportagem, o MME diz que oficialmente "não apoia nem desapoia" a criação de três áreas: Reserva Extrativista (Resex) Renascer, no Pará; Resex Baixo Rio Branco/Jauaperi, entre Amazonas e Roraima; e Refúgio de Vida Silvestre Rio Tibagi, no Paraná. A Casa Civil, que medeia os processos, afirma que esses três casos estão sob avaliação de Minas e Energia e Meio Ambiente.
"Os processos começaram a parar na Casa Civil de uns dois anos para cá", diz Cláudio Maretti, da ONG WWF-Brasil. Só esses nove processos somam mais de 1,2 milhão de hectares.
A decisão de criar ou não uma unidade de conservação é do presidente da República, que deve considerar tanto a importância biológica e social-determinada por estudos do Ministério do Meio Ambiente - como as implicações econômicas. Porém, para Maretti, a demora na definição é "criminosa". "O MME pode interromper o processo. Mas é preciso considerar as consequências sociais e ambientais dessa decisão."
É o caso da Resex Renascer.
O processo aportou na Casa Civil em junho de 2008, mas a história de sua quase criação tem mais de dez anos. Região rica em bauxita, ela foi recortada de outra Resex, a Verde para Sempre, essa sim criada em 2004.
A Renascer não saiu do papel, mas foi exposta como área rica em recursos naturais. Com a situação indefinida, a população ficou à mercê da ação de pessoas interessadas nas terras e a região, da exploração sem critérios socioambientais, explica o procurador Felício Pontes Junior, que atua no Ministério Público Federal em Belém. "Essas pessoas são extremamente vulneráveis em áreas extremamente ricas em biodiversidade."
Além disso, sem a criação da unidade de conservação, a população tradicional não obtém o documento da terra e, portanto, não pode pedir financiamento para suas atividades. "Os moradores da Renascer veem seus vizinhos da Verde para Sempre com acesso a seu primeiro crédito financeiro e eles sem nada", diz Pontes. "Soube de gente que precisou vender madeira para aliciador, só para colocar óleo no barquinho e levar criança para o posto (de saúde)."
No caso da Resex Baixo Rio Branco/Jauaperi, a situação é parecida. Seu desenho pega uma parte da Bacia do Rio Amazonas onde é realizado um inventário de potencial hidrelétrico, a ser concluído até o final do semestre. Enquanto ele não sai, o processo - na Casa Civil desde dezembro de 2007 - não caminha. A comunidade tem sofrido pressões de interessados naquelas terras (mais informações nesta página).
O potencial hidrelétrico do rio Tibagi, assim como o de exploração mineral, também segura a ' criação da unidade no Paraná. A intenção de criação da área foi anunciada em 2006. Nela está uma das últimas florestas de araucárias do Brasil, que sofre intensa e constante pressão de madeireiros.
Já a ampliação do Parque Nacional do Pau Brasil, na Bahia, e da Resex Ciriaco, no Maranhão, foram liberadas pelo MME, diz sua assessoria de imprensa. Segundo a Casa Civil, esses processos ainda estão sob análise dos ministérios interessados.
Para o procurador, a disputa entre preservação e exploração é incoerente, pois é possível trabalhar com ambas na área. "A luta é mais política do que jurídica."


Projeto está em debate desde 1991 em Rio Branco

Cristina Amorim

Plínio Leite da Encarnação mora desde 1984 onde, espera ele, seja criada a Reserva Extrativista (Resex) Baixo Rio Branco/Jauaperi, entre os Estados de Amazonas e Roraima. Na semana passada, ele saiu de sua comunidade, Auto de Nazaré, e foi até a capital, Brasília, para tentar entender por que a Resex ainda é um plano, não uma realidade, a despeito de ter surgido pelos idos de 1991 e 1992.

Foi naquela época que as primeiras conversas sobre a formação de uma reserva, que permita às populações tradicionais instaladas ali explorar a floresta de forma sustentável, mas com governança, começaram. Durante esse tempo, foram muitas audiências públicas, estudos, debates e oposições. Houve ameaças veladas e explícitas a quem desejava transformar a ideia em projeto.

Os moradores querem explorar castanha, açaí e cipó. Caçadores de fora querem recolher as tartarugas da região para alimentar restaurantes, que vendem ilegalmente pratos feitos com o quelônio.

O Ministério de Minas e Energia (MME) se opôs à Resex por achar que o Rio Branco tem potencial hidrelétrico. A questão ainda está aberta. Encarnação não sabe se alguém do MME já apareceu na região. Mas faz uma ressalva: "A partir do momento que se pleiteia uma área, sempre aparecem outros interessados."

Uma rodovia, a BR-174, que liga os municípios de Presidente Figueiredo e Pacaraima, passa pelo meio do desenho da Resex. O morador teme as consequencias de sua utilização. "Assentamento, monocultura, madeireiros." Hoje moram na região cerca de 900 pessoas, divididas em nove comunidades. Tem gente que mora lá há 40 anos. A titulação das terras é nebulosa, como costuma acontecer entre as populações tradicionais da Amazônia.

OESP, 15/05/2009, Vida, p. A18
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